segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

ÍNDIOS, CABOCLINHOS, BAMBELÔ E BOI DO REIS



A Acla Pedro Simões Neto hoje mostra um texto de Gracinha Barbalho B. Teixeira sobre o carnaval em Ceará-Mirim, extraido do livro "Eu Lembro, Tu Lembras, Nós Lembramos", aproveitando a passagem do período momesmo, bem como também o aniversário desta Acadêmica, a quem se quer homenagear.

O baticum começava a boquinha da noite em uma rua perto do antigo campo de futebol, um tanto quanto, perto da casa do meu pai e da minha mãe, na Rua do Patú. Conseguíamos distinguir os dois sons sem interferência e sem ruído deixando que os bombos fizessem seu compasso binário, único, ritmado, cadenciado. Tum, tuntum, tum, tuntum. Assim era o ritmo da tribo dos índios Potiguares ensaiando suas danças imaginárias que os faziam saracotearem prá frente e prá trás apontando suas flechas num movimento sincronizado, malemolente. 
A criançada e os demais diziam: venham ver os “zindo” e todos acorriam ao convite se postando nas calçadas e nos terraços das casas. Na frente vinham os bombos, um pouco mais atrás as fileiras com os índios exibindo suas indumentárias corriqueiras, tangas de penas de galinha, de pavão, de guiné, cocares e tornozeleiras, também de penas e todos com as caras pintadas. Um feiticeiro com sua longa saia de fibras de agaves, agitava em uma mão um maracá e em outra uma imitação de caveira. Entretanto, a figura de destaque dos índios era o caçador, sempre fustigado pelos componentes da tribo e que tinha como castigo final sua morte simbólica com flechadas no último dia do carnaval. Eu sempre chorava com pena do “pobre caçador.” Ainda vivíamos uma época que as crianças tinham medo desses rituais e suas alegorias. 
De muito perto também se ouvia os sons dos tambores e o “traque, traque” dos cabloquinhos ou cabocolinhos como chamávamos em nosso tosco português. O recanto dos ensaios ficava na rodagem, um antigo caminho que desembocava no Passa e Fica, hoje, Rua Dr. José Inácio Firmino Barros. Os cabocolinhos, parte integrante do folclore tradicional em festejos momescos, trazia similaridades com o bloco dos índios, todavia, trajavam uma vestimenta distinta e tinham como marca de ritmo um som que era emitido de um instrumento cujo formato era um pequeno arco com uma pequena flecha que ao ser puxado para cima, ao soltá-la emitia um som engraçado de traque e traque perfeitamente alinhado e rítmico. Além disso, cantavam umas espécies de loas, acompanhado de um pífano feito de taquara que nós crianças não entendíamos bem e repetíamos um refrão pitoresco: os caboco tá no oco, Mané bota no pitoco. Isso nos encantava de tal maneira que mesmo depois do bloco passar, ficávamos na calçada a repetir os movimentos da dança dos cabocolinhos até não mais ouvir o som dos matracais instrumentos. 
Mais prá cima, já perto do Passa e Fica, outro bloco se fazia presente de modo bem peculiar. Era o bambelô de Seu Manoel Américo. Ele, um negro forte, de andar maneiroso, cheio de salamaleques, era o criador e a criatura na representatividade do folguedo.Trabalhava com meu pai na CEM (Campanha de Erradicação da Malária), hoje, FUNASA (Fundação Nacional de Saúde). Era uma figura muito risonha e criativa encantando a todos com o bambelô e seus figurantes ricamente enfeitados em suas roupas de seda colorida, com franjas e badulaques. Nas cabeças, usavam uma espécie de cocar, também coloridos, lembrando de certa forma algo como o reisado, congo. Dançavam ao som de instrumentos de percussão com um maior destaque nos ganzás. Passavam em frente a minha casa, cumprimentavam meu pai, Seu Barbalho e desciam rua abaixo onde se concentravam com os demais blocos para o desfile de carnaval no quadro do mercado. Vale salientar, no que as lembranças me reportam, é que o referido bloco era composto unicamente de negros. Na verdade, nunca pesquisei o porque desse fato um tanto quanto inusitado, apesar de saber que a maioria das agremiações carnavalescas à época, eram compostas por pessoas simples, de pouco poder aquisitivo e em sua maioria negros, corroborando desta feita, a grande parcela dessa raça na contribuição e permanência da beleza do folclore brasileiro, seja em dança, ritmo, música, percussão, indumentária e sonoridade. 
E para finalizar toda essa riqueza de festejos da minha cidade, não poderia esquecer o Boi de Mateu ou o Boi do Rei da Rua Nova perto das Cinco Bocas. Seu nome de batismo era Mateus, mas, todos falavam Mateu. Com seu boi multicor, rodopiava, chifrava e fazia piruetas das mais variadas. Todos os anos ele vestia-se com um novo figurino. Incrementava o boi com novas cores e tecidos de chita. Os participantes não trajavam fantasias, eram somente brincantes do povo e familiares do mesmo, que cantavam, tocavam chocalhos, mexiam e cutucavam o boi que corria prá lá e prá cá, dando voltas e mais voltas. Era muito divertido e tão logo se ouvia o som dos chocalhos e os gritos do cortejo, todos saiam para ver o Boi de Mateu. 
Assim repasso, mais uma página de minha história vivida em Ceará - Mirim e homenageio desta feita, todos aqueles que de maneira simples e despretensiosa, possibilitaram alegria e entretenimento as crianças, jovens e velhos em uma época inesquecível. Aos blocos Índios Potiguares, Caboclinhos, Bambelô e Boi de Reis, meus agradecimentos sinceros por toda empolgação que proporcionaram na minha infância em minha terra natal.


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